Os
fracos herdarão a Terra, mas não no sentido que queria a Bíblia, como
prêmio à humildade e à contemplação. É que só os miseráveis de hoje
estão preparados para enfrentarem qualquer crise. Eles estão treinando
há gerações.
Pense
um pouco. Quem tem mais possibilidade de agüentar uma crise total de
combustível? Os pedestres. É claro. Os carroceiros. Algumas tribos
nômades. Você e eu, acostumados ao carro particular, ao táxi, ao ônibus
seletivo e à carona – ao transporte automotor, enfim – não saberemos
mais andar. Nós não somos automotores, nos habituamos a ser levados. Não
teremos nenhuma chance contra quem se criou em filas do INPS e correndo
para bater o ponto. Chegaremos, invariavelmente, por último, nos
queixando dos calos.
E
a crise de alimento? Quando só houver arroz, feijão e um pouco de
farinha para cada cidadão, quem terá estômago para agüentar? Quem se
acostumou desde pequeno, claro. Os subnutridos natos. Prevejo os
hospitais cheios de novos-pobres sendo atendidos por saudáveis
favelados.
- Tome a sua sopinha de aipim, vamos. O aipim é deste ano. Eu mesmo lavei.
- Argh!
- Hoje ela tem até um pouquinho de sal. Coragem...
As
forças vivas de hoje serão os marginais de amanhã. Associações de
lavadeiras farão chás de capim beneficentes em prol das damas de
sociedade com insuficiência calórica. Ex-zeladores de carro darão
pequenas gorjetas a executivos para ficarem cuidando das crianças
enquanto eles saem para fazer biscates. Os líderes desta nova sociedade
serão os catadores de lixo – ou Técnicos em Reciclagem, na nova
nomenclatura. O que descobrir mais coisas reaproveitáveis no meio do
lixo será aclamado Homem de Visão do ano, com direito a um carroção
particular puxado por três parelhas de profissionais liberais.
Cada
privação criará a sua elite. Com a falta de energia elétrica teremos a
ascensão dos ladrões, acostumados a andar no escuro. A crise da
habitação favorecerá os que vivem em baixo de pontes. Estes venderão seu
know-how financiado, mas a correção monetária será demasiada e haverá
uma onda de despejos, para dentro do rio. Comece, portanto, a tratar
melhor os miseráveis. Dê altas esmolas. Corteje seus empregados. Seja
caridoso. E se você é daqueles que dizem – “Não sei como essa gente
consegue sobreviver” – procure descobrir e decore tudo. Para eles a
crise sempre existiu. Eles têm uma prática!
Luis Fernando Veríssimo
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